7.13.2021

É SEMPRE O POVO


 


A notícia é uma só: Covid-19. Nos jornais, nas ruas, nas casas, nos hospitais, nas igrejas basta haver duas pessoas que o assunto vem a torna.  É o amigo que partiu, o dono da padaria, o mecânico que está no hospital e a lista aumenta que não dá pra fazer conta. Então começa a surgir a dúvida sobre quem é o culpado do alto contágio do vírus mortal.  Na procura do culpado encontra-se quem diga que é um certo país  que detectou o vírus pela vez e calou-se até a morte bater na casa de seus patriotas.  Dali o vírus espalhou-se pelo continente europeu, atravessou o Atlântico e chegou ao Brasil antes do carnaval de 2020.

Em plena folia, alertar sobre o perigo da Covid-19 era decretar  falência econômica dos grandes empresários, dos lucros das escolas de sambas, das redes hoteleiras, dos diversos patrocinadores que vivem do lucro dessa tradição brasileira. Cantar  a marchinha “Ó abre alas que eu quero passar” de Chiquinha Gonzaga foi imperativo.  E o vírus passou, sambou e entrou nas igrejas, nas casas, nos mercados... onde tinha vida ouviu-se um lamento de morte e sofrimento sem  pedir licença.

            A maldita ganhou espaços gigantescos. O povo adoecido foi parar nas portas das farmácias em busca de paliativos. Invectiva, cloroquina e outras “inas”  nada adiantou. Nas portas dos hospitais, gritos de socorro, mas a crise continuou e tripudiou, matando sem dó, sem escolher idade, sexo, classe ou  profissão.  O povo! Será o povo o culpado? Onde está o povo? Isolado? Não!!! Fugiu está na rua: está no trabalho, nas esquinas,  nos bares  ganhando e perdendo a vida e tem que trabalhar!

E nesse “tem que trabalhar” os ônibus lotam, as lojas enchem de clientes, os jogadores de futebol entram em campo,  as escolas abrem para seus alunos, as feiras recebem seus clientes, os bailes funks  nunca param, desafiam as autoridades  como se o mundo fosse sexo, droga e diversão.  E assim, o vírus ganha vida e vidas.

O povo “tem que trabalhar” porque valor do Auxílio Emergencial é mínimo e não é para todo mundo.  É questão de honra levar o pão para casa. Faz bem pra saúde ir à academia; frequentar a escola é cuidar da educação da criança e do adolescente; viajar é aliviar o stress fugir da realidade; fazer compras nos shoppings é empoderamento; visitar os amigos e familiares é se importar com o outro.   Quanta ilusão!!! O vírus  vai junto com o pão  para casa, exercita-se na academia, frequenta a escola, viaja por lugares  jamais imaginados, vira etiqueta de compras  e abraça famílias inteiras.

            Nesse abraçar surgiram as cepas. Medonhas, mortais, infalíveis e os decretos governamentais, com seus escalonamentos e lockdowns não servem de barreiras para contê-las porque diz que a culpa é do povo.  Quem é o povo? Para quem  se diz elite, é quem sai cedo para o trabalho e  superlota ônibus trens e metrôs; quem frequenta a praia com a família; quem faz fila  pra receber  benefícios do governo, quem faz casa nas áreas de risco; o morador de rua; o que joga conversa fora nas esquinas da cidade; o que não sabe usar a máscara obrigatória e não usa álcool em gel nas mãos. Para quem é povão, a culpa é do governo que   que não tem planos de combate ao vírus. O governo não faz o que precisa fazer, diz que vacina o povo mas os índices de contaminação não param de crescer. O governo é isto ou aquilo, não sabe o que fazer.

  Nessas formas de pensar, a culpa é de lá ou de cá? Enquanto não se enxerga o culpado, a sociedade perde a cada segundo um dos seus maiores legados, a vida.

Dorothéia Barbara Santos  em 05/05/21

1.07.2021

A CANÇÃO DO AFRICANO

                                                                         Castro Alves 

Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão...

De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez pra não o escutar!

"Minha terra é lá bem longe,
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!

"0 sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda a areia;
Ninguém sabe como é belo
Ver de tarde a papa-ceia!

"Aquelas terras tão grandes,
Tão compridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar ...

"Lá todos vivem felizes,
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
Como aqui, só por dinheiro".

O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
Pra não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!

............................

O escravo então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser.

E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
E põe-se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo!